Unifesp corrige identificação de desaparecido político da ditadura

A identificação realizada por legistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1991 e que havia assinalado que os remanescentes ósseos encontrados na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, na capital paulista, pertenciam a Denis Casemiro estava incorreta. Isso é o que apontou um novo revista feito com base em compatibilidade genética e que foi realizado por pesquisadores da Universidade Federalista de São Paulo (Unifesp).

Em cerimônia realizada no final da manhã desta quarta-feira (16), na reitoria da Unifesp, em São Paulo, os pesquisadores revelaram o erro na identificação, que tinha sido a primeira de um perdido político da vala clandestina de Perus.

Ontem, a Percentagem de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Unifesp haviam anunciado que conseguiram identificar os sobras mortais de mais dois desaparecidos políticos que foram sepultados por agentes da ditadura militar na vala clandestina de Perus. Um deles era Grenaldo de Jesus Silva. O outro, Denis Casemiro.

Analisando os remanescentes ósseos que foram encontrados na vala de Perus, os pesquisadores identificaram novos sobras mortais que eram compatíveis com Denis Casemiro. Isso foi verosímil por meio de um revista que compara as mais de 1 milénio ossadas encontradas na vala com o DNA de familiares dos desaparecidos políticos da ditadura. Outro processo que auxiliou na identificação correta foi a marca de uma lesão que foi observada nesses remanescentes ósseos e que era conciliável à marca de um tiro que a vítima havia sofrido nos ossos das costelas.

Depois que perceberam que havia essa compatibilidade genética, os pesquisadores decidiram acionar a Justiça para exumar os sobras mortais que haviam sido sepultados décadas antes uma vez que sendo dele já que, nos exames feitos em 1991, ainda não existia o teste de DNA.

“Nossa equipe analisou aqueles remanescentes ósseos. Coletamos amostras para fazer o revista de DNA e o enviamos para um laboratório internacional. O resultado mostrou que essa pessoa não tinha vínculo genético com a família Casemiro. Esses remanescentes foram depois comparados ao de outras famílias de desaparecidos políticos e não houve também correspondência”, explicou Samuel Ferreira, pesquisador e membro do projeto de Estudo dos Remanescentes Ósseos da Vala Clandestina de Perus.

“O conjunto que havia sido sepultado em 1991, uma vez que sendo do Denis Casemiro, não era, de vestuário, de Denis Casemiro e também não é de nenhum perdido político”, confirmou o pesquisador.

Desaparecidos políticos

A vala clandestina de Perus foi invenção no início dos anos 90. No sítio, foram encontradas 1.049 ossadas sem identificação de vítimas de esquadrões da morte, indigentes e também de presos políticos. Acredita-se que, desse totalidade de ossadas, pelo menos 42 se tratem de desaparecidos políticos da ditadura militar, que foram sepultados no sítio uma vez que indigentes.

O projeto desenvolvido atualmente pela Unifesp para identificação dessas ossadas conta com uma modelo de material genético de 34 famílias de desaparecidos políticos. Foi esse material genético que permitiu que, em 2018, Dimas Antônio Casemiro, irmão de Denis, também pudesse ser identificado.

Em entrevista à Escritório Brasil, o coordenador do Núcleo de Antropologia e Arqueologia Judiciario (CAAF) da Unifesp, Edson Teles, afirmou que ainda não é verosímil expressar o que provocou o erro na identificação feita em 1991.

Coordenador do CAAF Edson Teles durante coletiva de prelo na Unifesp Paulo Pinto/Escritório Brasil

“Certamente a gente vai ser se destinar um pouco para entender isso”, disse ele. “Eu não sei exatamente qual foi o processo que levou ao erro. É evidente que, do ponto de vista tecnológico, hoje a gente tem, por exemplo, o revista genético que propícia mais objetividade e possibilidade de obter um resultado correto. Mas, naquela era, as técnicas também conseguiam obter resultados positivos corretos. Para além da identificação do Denis, a gente sabe que a Unicamp também não tratou corretamente daquelas ossadas”, ressaltou.

Com esses dois novos casos, já são seis os desaparecidos políticos enterrados no Cemitério Dom Bosco e que tiveram seus sobras mortais identificados: Frederico Eduardo Mayr (1992); Flávio Roble Molina (2005); Dimas Antônio Casemiro (2018); Aluísio Palhano Pedreira Ferreira (2018); Denis Casemiro (2025) e Grenaldo de Jesus Silva (2025).

Quem foram Denis e Grenaldo

“Era uma vez dois rapazes. Um nascido em 1941 e, o outro, em 1942. Um nasceu em São Luís do Maranhão. O outro nasceu no interno de São Paulo. Os dois tinham sonho. Um sonho de maior paridade e de maior justiça social, para que as pessoas pobres fossem muito tratadas e fossem mais felizes”, descreveu Eugênia Augusta Gonzaga, presidente da Percentagem Próprio sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

“Os dois foram enterrados no fatídico cemitério de Perus, construído pelos governos municipal e estadual daquela era, em conluio com a ditadura, para descartar corpos. E, não satisfeitos, ainda fizeram uma vala para exumar aqueles corpos que haviam sido enterrados há mais de três anos e colocaram todos eles numa geral. Essa é a vala de Perus, que foi invenção pela luta incessante dos familiares das vítimas”, disse ela.

Coletiva de prelo na UNIFESP apresenta identificação das ossadas de ossadas de Denis Casemiro e Grenaldo de Jesus Silva Paulo Pinto/Escritório Brasil

Denis Casemiro nasceu em Votuporanga (SP). Foi pedreiro e trabalhador rústico e atuou politicamente na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Foi recluso em abril de 1971, torturado e executado pela equipe do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), coordenada pelo solicitador Sérgio Fleury. Na era de sua morte, foram forjadas versões de tentativas de fuga que “resultaram em sua morte”.

Já Grenaldo era um militar da Marinha brasileira, nascido em São Luís (MA). Ele foi recluso em 1964 e expulso da instituição enquanto reivindicava melhores condições de trabalho. Chegou a fugir da prisão e viver na clandestinidade, mas foi morto em 30 de maio de 1972 ao tentar tomar uma avião no aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP). Documentos do Instituto Médico Lícito (IML) registraram que Grenaldo teria sido sepultado em 1º de junho de 1972 no Cemitério Dom Bosco uma vez que “indigente”, e constava uma vez que perdido até ter seus remanescentes ósseos identificados pela equipe do Projeto Perus.

“Grenaldo foi um herói pátrio, que lutou pela democracia e contra a ditadura”, disse Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, ex-presa política e representante da Percentagem de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura.

A fala de Amelinha foi dirigida mormente ao fruto de Grenaldo, que esteve presente na cerimônia realizada hoje. Escoltado da filha e de sua esposa e bastante emocionado com a identificação dos sobras mortais de seu pai, ele não quis conversar com a prelo.

Para Amelinha, a procura ainda permanente pelos desaparecidos políticos é também uma procura pela verdade histórica do país. “A verdade ainda está longe de suceder. Mas essa identificação [dos restos mortais] é um passo importante”, ressaltou.

Memória e justiça

Os familiares de Grenaldo de Jesus Silva que estavam presentes à cerimônia de hoje foram abraçados no sítio pela ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo. Depois, em entrevista a jornalistas, a ministra destacou a valor desses reconhecimentos para a construção da verdade sobre aquele período histórico.

“Só se apropriando da verdade é que nós vamos recusar qualquer regime ditatorial. É preciso trazer à tona que a democracia é a melhor forma de vida em sociedade. Para isso, as pessoas têm que ter recta à liberdade e à sua liberdade de sentença e tem que ter instituições fortes que precisam ser respeitadas. Ninguém pode ser assassinado em função da sua crença ou do seu ideário político”, destacou.

Para a ministra, as novas identificações feitas pela equipe de pesquisadores da Unifesp demonstram que essa técnica pode também ser utilizada para outras violências causadas pelo Estado.

“Acho que a gente dá um passo importante com essas duas identificações porque aponta que é verosímil. Hoje, cada vez mais, estamos nos apropriando dessa tecnologia que vai servir tanto para os casos de mortos desaparecidos no contexto da ditadura militar quanto para outros casos que a gente tem de desaparecidos no país”.

Ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, durante coletiva de prelo na Unifesp para apresentar identificação de duas ossadas de desaparecidos políticos Paulo Pinto/Escritório Brasil

Para a procuradora regional da República, Eugênia Augusta Gonzaga, que preside a Percentagem Próprio sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a vala clandestina de Perus é o maior exemplo da truculência da ditadura militar no Brasil.

“O Brasil está precisando de identificações. O Brasil está precisando dessa memória e dessa verdade. Por mais que a ditadura tenha mentido que essas pessoas não morreram em suas mãos e que essas pessoas simplesmente desapareceram, eu sempre digo, o DNA delas está ali na vala de Perus, que é a maior prova da truculência daquele período”, disse ela a durante cerimônia realizada hoje em São Paulo para pregão das duas identificações.

“A história da vala de Perus está quase zero contada. Ainda falta exumarmos essa história”, completou o coordenador do CAAF Edson Teles. “É preciso que os trabalhos de identificação humana de pessoas desaparecidas se transformem em política pública perene, de modo que a gente não dependa de quem está em determinada trouxa de responsabilidade”, ressaltou.

Para ele, além da identificação dos desaparecidos políticos, também é necessário que os governos assumam o compromisso de edificar espaços de memória e de guarda desses remanescentes ósseos. “A gente precisa que a prefeitura de São Paulo e outras instituições organizem e construam um memorial no Cemitério Dom Bosco que possa receber esses remanescentes que não tem identificação de volta e que a gente possa transformar esse memorial num lugar de memória e também num lugar de ensino para os direitos humanos”.